Há ritmos e ritos que nos legitimam enquanto Sonho de Criança. Gestos repetidos e repetidos foram dando corpo ao que somos, aos nossos sonhos, às crenças da infância e dos cuidados. Ações que deram e dão lugar ao brincar e à infância em que acreditamos.

Nascemos de sonhos, de potências, de muitos estudos, mas acima de tudo de um respeito ao encontro com o outro, enquanto família, enquanto comunidade. Desde cedinho já sabemos da importância do sorriso. Assim são acolhidas nossas famílias e nossas crianças, desde a porta até cada recanto interno da escola. Sorrisos e abraços que acalantam e não só desejam um bom dia, mas plantam esse dia no íntimo de cada um. Aos que ficam na escola e aos que vão aos seus afazeres, damos colo, amor, cuidado. Acolhemos. Buscamos dar sequência de família, senso de pertencimento e de aconchego, lugar de segurança amorosa para ser e crescer. Somos diariamente testemunhas de grandes feitos das crianças, esses seres imensos que se esparramam em saberes, com suas mentes e mãos curiosas, seus corpos inquietos e pululantes, seus olhares que querem beber o mundo. Damos espaço. Estendemos lindos tapetes a essas vontades, de alma e de corpo. No encontro com a natureza na escola, as crianças se expandem. No encontro com outras naturezas, de outras crianças, elas se investigam, entram em brincadeiras, embates, conflitos. Conhecem-se, imitam-se, descobrem quem são e ampliam seus sonhos. Testam inúmeras possibilidades, desafiam conhecimentos prévios e voltam a tentar fazer de outro jeito, provando que há sempre mil maneiras de se fazer e se descobrir.

Só somos quem somos pelas famílias que nos escolheram como família. Já são muitos anos de lida no ambiente escolar, e a Sonho segue mostrando que é possível que na escola haja vida, haja amor, haja escuta, haja vitalidade de descobertas, haja olhos brilhantes pelos seus fazeres e brincadeiras. Com o passar do tempo fomos apurando o olhar da alma para a alma da infância. Fomos nos desfazendo de amarras antigas de poder, mergulhando num mundo possível onde a vida importa, onde a sensibilidade tem lugar, onde o belo e o poético acontecem sem regras, onde os abraços alimentam

cada abraçado como o pão de cada dia, onde é possível o choro tanto quanto o riso, onde há cantos de aconchego e conquistas. O amor rege nossas relações. Descobrimos que sabemos pouco, apuramos nossos corações ao que o outro nos traz. Aprendemos

de novo, de novo, de novo. Encontramos o saber no que é ancestral, tanto quanto no que é futuro inédito. E nos colocamos em estado de presença plena. Sonho de criança.

O encontro com os saberes de Reggio Emilia, Eneagrama e Infância, Emmi Pikler, Gandhy Piorski, Casa Redonda, Fundesplai, Biodança, Calatonia, ICOT, os estudos de respeito à natureza do Rudolf Steiner, a Pedagogia da Emergência, os estudos em torno da paz de Roberto Crema, as neurociências com seus muitos cientistas, como Natalia Ojeda, Mar Romera, Roberto Aguado. Enfim, foram muitas e intensas imersões em saberes da educação. Tudo isso foi nos emprestando uma identidade muito particular, de uma escola de respeito à infância em sua maior potência, respeito ao brincar e a seus ritmos.

Nesse tempo muitos estudos foram desbravados, muitos livros, encontros, congressos, mas para além dos conceitos da academia, foram muitos encontros valiosos com as crianças e suas famílias. No encontro dos olhares, dos saberes, das vontades, dos ímpetos, das dedicações e entregas, fomos construindo um Sonho muito maior, e foi materializando-se a certeza de que é possível fazer educação onde o respeito à infância e seu brincar encontra ideias e projetos encantadores, estimulantes e grandiosos, que marcam nossas vidas enquanto comunidade educativa. Aprender que a escuta é mágica e define nossas felicidades, aprender que o encontro é valioso e que as diferenças nos ampliam, aprender que sempre há o que doar e receber, e que a verdade da criança vem por meio do seu corpo potente, cheio de expressões e ímpetos. Tudo isso foi delineando nosso caminho, foi alumbrando sendas que seguimos, com crença no que fazemos, crença em nossos talentos e equipe, mas crença principalmente no que a criança é.

Saberes que unem uma ancestralidade inspiradora, reverberar de dons inatos que encontram lugar para serem o que são, e um porvir que já paquera nossos ideais futuros, nossos projetos e dias vindouros. Nós, da Sonho e nossas crianças e famílias, seguimos aprendendo a ser brincantes, e entendemo-nos no encontro dos nossos afetos, mesmo que por via da vida como ela é, haja um ou outro desencontro. Seguimos aprendendo a respeitar os ritmos, os ritos, as belezas da vida. Alimentamos essa beleza com muito zelo. Da flor, do vento na folha, na gota de orvalho, do olho que brilha, do cochicho dos voos das borboletas, das memórias afetivas das comidas, das brincadeiras que falam de quem somos, dos nossos perrengues e cansaços por sermos tão entregues, tão intensos, tão sonho.